Morador em situação de rua, conhecido na cidade, aceita internação voluntária após intervenção da Guarda Civil Municipal. Entenda mais sobre a dependência e as consequências do vício em crack.
Ulisses é um rosto conhecido de muitos moradores de Matão, principalmente da parte alta da cidade. Antes de ser visto em esquinas e semáforos pedindo ajuda, teve uma vida considerada comum na cidade. Mas a dependência do crack destruiu sua rotina e o levou à situação de rua.
Nos últimos dias, diversos relatos de agressões cometidas por ele circularam pela cidade. Uma mulher teria sido cuspida, uma menina agredida — ocasião em que ele também acabou sendo espancado por populares — e um homem quase foi agredido fisicamente. Não bouve registro de boletim de ocorrência por parte das vítimas. Em Araraquara, por onde ele também passou, outro caso foi registrado: uma senhora teria sido agredida com um soco. Ele foi detido pela GCM de Araraquara e, ao ser identificado como natural de Matão, a assistência social do município o encaminhou de volta à cidade. Em todas as situações ele estaria sob o efeito do crack.
Diante da crescente preocupação de populares, chegou-se a tentar uma internação compulsória, sem sucesso. Em uma ação realizada na manhã desta quarta-feira (2), a Guarda Civil Municipal o encontrou na Praça da Abolição. Após diálogo, conseguiu convencê-lo a aceitar uma internação voluntária. Ele foi acolhido no Renascer, pela Associação Pão Nosso, e será encaminhado a uma unidade de tratamento em Catanduva.
A epidemia silenciosa do crack
A trajetória de Ulisses é só mais uma entre milhares. O crack, uma droga altamente viciante e devastadora, tem avançado silenciosamente pelas cidades do interior. Segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o Brasil é um dos países com o maior número de usuários de crack no mundo. De acordo com levantamento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cerca de 1,39% da população brasileira acima de 14 anos já usou crack ao menos uma vez na vida — são quase 2,9 milhões de pessoas. Estudos apontam que cerca de 370 mil usuários estão apenas nas capitais — e 40% vivem em situação de rua. O número real pode ser ainda maior.
O avanço do crack está diretamente ligado ao aumento de pequenos furtos, degradação urbana, população em situação de rua e sensação de insegurança nos centros urbanos. Em cidades como Matão, a presença crescente de pedintes em semáforos e os furtos em áreas centrais têm preocupado moradores e autoridades e, em muitos casos, o vício em crack está na origem desse cenário.
Como as pessoas chegam a esse ponto?
A entrada nesse mundo não ocorre do dia para a noite. Diversos fatores contribuem: vulnerabilidade social, histórico de violência doméstica, falta de acesso a oportunidades, abandono escolar, traumas não tratados e, principalmente, a ausência de políticas públicas eficazes de prevenção.
Muitos usuários chegam ao crack após o uso de outras substâncias, como álcool, maconha e cocaína. Quando a dor interna encontra espaço no abandono externo, a droga aparece como uma falsa solução — rápida, acessível e, aos olhos do usuário, inevitável.
O maior desafio: prevenir
Tratar quem já caiu no vício é difícil, caro, demorado e nem sempre com resultados garantidos. Por isso, especialistas alertam: o maior desafio é evitar que novas pessoas entrem nesse ciclo.
É preciso investir em políticas públicas de prevenção e inclusão: fortalecimento das redes de apoio social, acesso à saúde mental, atividades culturais e esportivas nas periferias (o esporte coletivo precisa invadir os bairros), além de apoio às famílias em situação de vulnerabilidade. Escolas, conselhos tutelares, centros de convivência e projetos comunitários devem atuar de forma integrada para identificar sinais precoces e agir antes que a situação se torne irreversível.
Olhar para situações como a de Ulisses deve ser um exercício de responsabilidade coletiva. É parte do que a sociedade precisa fazer — não apenas para ajudá-lo, mas para evitar que novos “Ulisses” ocupem seu lugar amanhã.
Efeitos do crack: um risco real e devastador
O crack é uma droga extremamente viciante e destrutiva. Seus efeitos aparecem rapidamente e afetam o corpo, a mente e a vida social do usuário.
Efeitos no corpo e mente:
• Euforia intensa e curta, seguida de angústia;
• Forte compulsão por mais doses;
• Insônia, perda de apetite e emagrecimento extremo;
• Alucinações, paranoia e comportamento agressivo;
• Risco de infarto, AVC e convulsões.
Consequências sociais:
• Rompimento de laços familiares e sociais;
• Perda de emprego, abandono dos estudos;
• Isolamento, violência e situação de rua.
A dependência se instala rápido, e a abstinência é avassaladora. Por isso, prevenir é fundamental.